Reportagem de capa do FolhaTeen

Não é a primeira vez que publicam a história de “pais” e filhos que fumam maconha juntos. Lembro de uma reportagem da Revista Veja na qual um "pai" contava como ele e o filho mais velho, tinham apresentado a maconha ao mais novo que, na época ,tinha de 15 anos.

A justificativa daquele “pai” da Revista Veja era a mesma apresentada pelos “pais” da matéria do FolhaTeen. Sempre o papinho furado: “Sou amigo do meu filho”; “É melhor que ela faça na minha frente”. Conversa mole, como diria meu pai. Esse, com certeza, sem as aspas e com todos os acertos e erros inerentes à função.

Não entendo a lógica desses "pais" retratados na matéria que reproduzo abaixo.

Aliás, também está difícil entender a lógica de alguns pais que encontro na minha rotina de coordenador pedagógico.

Volto ao tema em outro momento.

A matéria também pode ser lida no Blog do Folhateen.


Minha casa é "legalize"

Conheça a história de pais e de filhos para quem fumar maconha é um ritual familiar

Leonardo Wen/Folha Imagem

Em família: mãe e filha fumam com amigos em comum


TARSO ARAUJO

DA REPORTAGEM LOCAL


"No começo, fumava maconha em casa, escondido, sabendo a hora em que minha mãe chegaria. Um dia, ela voltou cedo e me pegou desprevenido", conta Eduardo*, 23.

Na maioria das famílias, isso seria o início de uma crise. Não na de Eduardo.

"Ela percebeu e disse: "Deixa eu dar "um dois" também'", afirma, usando uma gíria comum para "fumar maconha".

Famílias como a dele, que fumam maconha juntas, não são tão difíceis de se encontrar. O Folhateen conversou com seis desses filhos e com seus pais.

Os jovens entrevistados começaram a fumar maconha fora de casa, na adolescência, com amigos da mesma idade. E todos sabiam que seus pais também usavam a droga quando se iniciaram.

O que muda de família para família é o tipo de influência dos pais sobre os jovens.

Marcela, 21, acha que começou mais tarde do que as amigas justamente por causa da mãe. Quando tinha 11 anos, ela teria uma aula sobre drogas na escola, e sua mãe resolveu se antecipar e abrir o jogo. Contou que fumava maconha e deu sua opinião sobre o assunto.

"Como era uma coisa natural para mim, não tinha curiosidade. Fui uma das últimas das minhas amigas a experimentar. A maioria delas começou na sétima série, e eu só no primeiro ano [do ensino médio]", diz.

Já Alice, que tem 21 e começou aos 16, acha que, se o pai não fumasse a erva, seu hábito poderia ter mudado. "Talvez estivesse parando, como algumas amigas."

Mas todos os jovens ouvidos pelo Folhateen afirmam que fumariam maconha mesmo sem a influência dos pais. "Minha curiosidade viria de qualquer maneira, tanto que não comecei com minha mãe", diz Luís, 24. Ele fumava com ela, que há pouco "desencanou".

"Fumaria do mesmo jeito, porque é uma coisa muito mais com os amigos do que com meus pais. Um quarto da minha turma de colégio fumava", diz Alex, 24, irmão de Alice.

Educação sobre drogas

Os pais dizem preferir que os filhos fumem em casa e com eles. Seus argumentos vão da segurança à redução de danos.

"Tenho certeza de que é melhor assim, porque aí sei o quanto e como meu filho fuma", diz a mãe de Luís. "E, se ele ficar dependente, é melhor ter na mãe um amigo.

“Na família de Alice e de Alex, moradores do Rio de Janeiro, sempre houve preocupação com a segurança. "Até hoje pego maconha com meu pai. Ele sempre pediu para evitar pegar por conta própria. Isso me protegeu de situações perigosas, como subir morro", diz Alex.

Outra recomendação constante do pai é "não andar com "flagrante" e ter cuidado com os "homens'". O que não foi suficiente. "Já "rodei" na mão da polícia, indo à praia. Aí perdemos um dinheiro "de leve'".

Para o especialista em drogas Osvaldo Fernandez, antropólogo da Universidade do Estado da Bahia e professor visitante da Universidade Columbia (EUA), os argumentos dos pais fazem sentido, especialmente por tratar-se de droga ilegal.

"Muitas vezes a ilicitude leva à desinformação, então torna-se imprescindível um manual de sobrevivência com vistas à educação dos filhos. Pais que fumam com filhos podem ajudar a reforçar valores como moderação e autocontrole."

Amizade: causa ou efeito?

A psicóloga da USP Maria Abigail de Souza, especialista em tratamento de dependências químicas, reprova o costume. Para ela, isso causa uma confusão de papéis.

"Me dá a impressão de que esses pais querem dar uma de condescendentes para se aproximar dos filhos, talvez porque não tenham outra maneira. Saem da posição de pais e entram na de amigos. Mas adolescente precisa de um pai. Amigo ele tem bastante", diz.

Para as famílias entrevistadas, não é assim. "A gente se dá bem porque sempre se deu. Fumar junto é consequência da nossa amizade, e não o contrário", afirma Marcela, que diz fumar com a mãe socialmente, em festas ou ocasiões parecidas -elas não compram a droga.

O pai de Alex e de Alice tem opinião parecida. "Não é por fumar com eles que sou mais próximo." Alex explica: "O ambiente da família é que sempre foi de muito diálogo".

Médicos ouvidos pelo Folhateen reprovam que pais fumem maconha com seus filhos, por acreditar que isso cria um ambiente de risco para a saúde.

Juízes consultados pela reportagem dizem que o hábito pode até levar à perda da guarda de filhos menores de idade.

Mas todos os entrevistados ressaltam a importância de conversar abertamente sobre drogas com os filhos.

Para a mãe de Luís, o pior a fazer é ignorar o fato. "Fingir que não vê é hipocrisia. E reprimir não é saída. É beco."


...OS MÉDICOS

Hábito deixa filhos mais vulneráveis

Os psiquiatras especializados em dependência química ouvidos pela Folha reprovaram o hábito de pais fumarem maconha com seus filhos.

"Acho errado, ousado e perigoso. Cria um espaço vulnerável. Acho interessante ter uma proximidade entre pais e filhos, no mundo em que vivemos. Mas amigo é amigo, pai é pai. E o papel dos pais é cuidar da saúde e da educação. Fumar junto não é salutar", diz Arthur Guerra, psiquiatra da Faculdade de Medicina da USP.

 "O argumento de proteger os filhos não é um absurdo. Faz sentido para quem defende o uso, mas eu não assino embaixo."

Ronaldo Laranjeira, psiquiatra coordenador da Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz que "quando o adulto endossa e compartilha a cultura da droga, ele não apenas contribui para o uso mas facilita a persistência do uso e o desenvolvimento da dependência".

"Não conheço estudo que comprove isso, mas me surpreenderia se jovens que fumam com os pais em casa não tivessem mais chance de desenvolver dependência do que os outros que usam a droga. Você está criando uma vulnerabilidade que é condenável."

Guerra também cita a preocupação de a droga mascarar sintomas de problemas psíquicos. "O medo é de que esses jovens usem a droga como um antidepressivo, o que pode esconder um quadro mais grave de depressão."

...OS MAGISTRADOS

Pela lei, pais podem ser punidos

Em caso de denúncia, pais que fumam maconha com filhos menores de idade podem ter problemas na esfera penal ou na do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). É o que dizem juízes ouvidos pela Folha.

"Podem ter problemas, uma vez que estão, com seu próprio exemplo e conduta, levando os filhos a uma prática ilícita", diz o desembargador Antônio Carlos Malheiros, coordenador das varas de infância e juventude do Estado de São Paulo.
Teoricamente, os pais poderiam até mesmo perder a guarda dos filhos -mas a medida é considerada radical pelos juízes.

"Imaginando um garoto de 17 anos que faz uso recreacional da droga com os pais, como outros bebem uma cerveja com o pai ou a mãe, me parece que jamais poderíamos pensar nessa medida", diz Luiz Fernando Vidal, juiz da 3ª Vara de Fazenda de São Paulo, dez anos de experiência em varas de infância e adolescência.

Para ambos, o mais provável seria a aplicação de uma medida de orientação, acompanhamento por um conselheiro tutelar ou advertência. No caso de filhos maiores de idade, os pais não podem ser responsabilizados.

Para Malheiros, "cada pai deve saber o que é melhor para seu filho. Não existe fórmula pronta. Droga faz mal, mas isso não pode ser enfiado na cabeça de um jovem à força. O diálogo na família é o que vai fazer efetivamente que os filhos cresçam melhores."

 


Posted via email from cesar pazinatto

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