Texto do Dimenstein na Folha de São Paulo do dia 10 de janeiro


Tinha algumas restrições ao Gilberto Dimenstein.
Gratuitas talvez, mas tinham relação com as vezes que tive contato pessoalmente com ele.
Pareceu-me muito “estrela”.
Participei de um evento onde ele debateu com outros importantes formadores de opinião. O tema era a educação e ele fez colocações que melhoram bastante minha opinião sobre ele.
Voltei a lê-lo na Folha de São Paulo.
Abaixo reproduzo, na íntegra, o texto do último domingo.
Bem interessante.

GILBERTO DIMENSTEIN
Mulheres insustentáveis


O culto à magreza seria colocado no mesmo patamar das campanhas contra o fumo e a bebida


O PARLAMENTO espanhol aprovou, na semana passada, lei que proíbe publicidade, na TV, com exaltações ao "culto do corpo" -a proibição vale das 6h às 22h, destinada, supostamente, a proteger crianças e adolescentes. A decisão radical dos espanhóis coincide com o mês no Brasil em que os desfiles de moda no Rio e em São Paulo colocam ainda mais alto no pedestal seres esqueléticos, apresentados como padrão máximo de beleza.
O argumento que sensibilizou os parlamentares espanhóis: "a publicidade que associa a imagem do sucesso com fatores como peso ou estética incita a discriminação social pela condição física". Esse tipo de argumento sensibiliza também políticos da França, onde tramita uma lei determinando que todos os anúncios com mulheres e homens retocados tenham uma advertência sobre a falsidade da fotografia. O culto à magreza seria colocado, portanto, no mesmo patamar das campanhas contra o fumo e a bebida.
Considere-se ou não papel do poder público meter-se nesse tipo de publicidade, o fato é que se espalha pelo mundo, inclusive no Brasil, uma reação contra as mulheres insustentáveis, cujos corpos só se mantêm (salvo questões genéticas) na base da faca e consumo insalubre de alimentos.
Sempre houve, na história da humanidade, padrões de beleza. O problema é que, agora, juntaram-se à cultura das celebridades, o culto do narcisismo, a visão cada vez mais imediatista dos jovens e as óbvias questões de saúde para alcançar determinado tipo de padrão de beleza, tudo isso embalado pela publicidade. A cultura da celebridade é visível nos meios de comunicação, onde as entrevistas de modelos, repletas de asneiras e banalidades, ganham destaque.
Isso se traduz, por exemplo, nos casos cada vez mais frequentes de anorexia e bulimia que chegam aos consultórios médicos. Ou nas cirurgias plásticas feitas por crianças e adolescentes, quase todas por motivos estéticos, em sua maioria lipoaspiração. Somos um dos países campeões do mundo em cirurgia plástica: proporcionalmente estamos empatados com os americanos.
O último dado disponível: das 650 mil cirurgias realizadas no país, 15% são feitas em crianças e adolescentes. Psicólogos me informam que, muitas vezes, há estímulo paterno.
Uma pesquisadora de Harvard (Susan Linn) publicou recentemente estudo mostrando a relação entre excesso de publicidade e distúrbios alimentares (da obesidade à anorexia) entre crianças e adolescentes americanas -ela também mostrou a relação entre marketing e sexo precoce.
Sou dos que defendem que a publicidade deve ser responsável e fiscalizada pela sociedade - e, em certos casos, limitada. O perigo é imaginar que limitar a publicidade ajuda muito. O exemplo do pai exagerando na bebida é muito mais poderoso para o filho do que todos os anúncios.
Há um consenso entre psicólogos e educadores de que a doença das mulheres insustentáveis é um problema de educação de valores.
Todos sabem que a adolescência é uma fase de desconforto, na qual se testam, como em nenhum outro período, limites e frustrações, em meio a crises de baixa autoestima. Também todos sabem que vivemos uma época da busca imediata do prazer, tudo tem de ser em tempo real, num estímulo constante ao consumo.
A psicóloga Rosely Sayão lembra que, nesse contexto, são reverenciadas, por causa do imediatismo, as drogas legais e ilegais. Muito mais rápido do que fazer terapia é empanturrar-se de alguma pílula contra ansiedade. A tristeza é medicalizada, como se não fizesse parte do cotidiano -é como se devêssemos sempre parecer algum personagem sorridente de revista de celebridades ou parte de um anúncio, com a família feliz, de caldo de galinha.
Entrar na faca é bem mais rápido do que mudar a alimentação ou ficar malhando. Psicólogos alertam que o problema é bem mais fundo do que a necessidade de malhar ou controlar a alimentação - e aí entra a necessidade de educação de valores, uma das preocupações das escolas mais sérias.
Educação de valores significa discutir o que significa beleza e aprender a relativizar a estética - afinal, beleza pode ser simplesmente a pessoa se conhecer e se gostar. Em síntese, sentir-se bem, apesar das limitações e imperfeições.
É bem mais fácil e rápido (e menos eficiente) tirar do ar a publicidade das anoréxicas profissionais do que manter, nas escolas, na família e nos meios de comunicação, um debate sobre o que é essencial na existência.
Mas o fato é que, para muitos, mulheres insustentáveis são feias.
PS - As escolas deveriam aproveitar a obrigatoriedade do ensino de filosofia (o que considero um avanço) para discutir esse tipo de assunto. Seria uma encantadora aula mostrar a evolução do corpo desde os tempos gregos. Se Marilyn Monroe fosse procurar emprego hoje, certamente alguém a mandaria se internar no spa.
gdimen@uol.com.br
Cesar Pazinatto
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