ÁLCOOL E PROPAGANDA


Álcool e Propaganda

Cesar Pazinatto

Será que está mudando?

Um EXPERIMENTA! repetido até a exaustão por uma multidão de desconhecidos, que, ao longo do comercial, vai recebendo a ajuda providencial de gente famosa; jovens que se encontram pela primeira vez em uma praia, tomam uma cerveja e, enquanto transam, o locutor afirma que o policial que os flagra não merece a mesma cerveja que eles, poderiam ser consideradas típicas propagandas de cerveja da TV brasileira.

Um ator fazendo sons com a boca e imitando alguém atrás do volante sugere que beber e dirigir não se misturam. Em outro comercial um rapaz bebe cerveja e troca olhares apaixonados com sua namorada. Repentinamente, ele tira uma argolinha do bolso e mostra para ela que parece imaginar a chegada do grande dia. Quando ela se prepara para “ficar noiva”, o rapaz abre a mão e, entre a frustração e a surpresa, a garota percebe que ele estava apenas lhe entregando a chave do carro. Enquanto o locutor fala alguma coisa sobre amar e não dirigir depois de beber, a “ex-futura noiva” volta a sorrir impressionada com a atitude do namorado.

No futuro, esses comerciais também poderão ser chamados de típicos? Quem sabe.

É bom acrescentar que essas novas iniciativas não estão restritas às propagandas de televisão.

Táxis na cidade de São Paulo trafegam ostentando enormes adesivos com dizeres: “Depois da saideira, coloque suas chaves de molho” ou, então, “Beber redondo é beber com responsabilidade”.

Sem dúvida, são iniciativas bem interessantes e até certo ponto inovadoras, mas ainda há muita coisa que deve ser mudada. Por enquanto o que, na verdade, mudou foi o tamanho e a visibilidade da frase: “Beba com responsabilidade” ou “Beba com moderação”, antes escrita em letras microscópicas e colocada em um canto qualquer do outdoor ou das páginas centrais de revistas de grande circulação.

Pode-se dizer que essas iniciativas também fazem parte da tentativa de se antecipar a algumas medidas mais restritivas em discussão no Congresso. As empresas e o Conar (Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária) tentam diminuir o impacto de um aumento nas restrições feitas à propaganda de bebidas alcoólicas. É bom dizer que restrições já existem. A novidade é que as novas regras passam a atingir as propagandas de cerveja. Por isso essa movimentação toda. Por isso essa novidade politicamente correta.

Porém, muito ainda precisa mudar.

A mesma cerveja que tomou a iniciativa de associar seu slogan a um comportamento mais responsável por parte dos jovens consumidores do seu produto continua promovendo e patrocinando mega festivais de música ou eventos exclusivos para o público jovem. Além disso, em seu site na internet, na “loja da cerveja que desce redondo,” é possível comprar biquínis, bonés e outros objetos, voltados para o mesmo público alvo.

Consumo de álcool combina com esporte?

Sempre combinou, para alguns setores da propaganda. É só lembrar os comerciais de televisão em que alguns jogadores de futebol apareciam, comemorando seus gols, mostrando o dedo indicador levantado em uma alusão a “Cerveja número 1”. E agora parece que também combina com maratona. Um fabricante de cerveja resolveu presentear com uma amostra, sem álcool, é verdade, de seu mais novo produto nos kits distribuídos aos inscritos em uma maratona de revezamento que atraiu cerca de 25.000 participantes.

Sem pensar em radicalismo, não se pode aceitar esse tipo de marketing.

Trata-se de uma estratégia no mínimo preocupante ainda mais se lembrarmos que a idade mínima para participar desse evento esportivo foi reduzida de 16 para 14 anos em 2003.

O público jovem é particularmente interessante para a propaganda porque além de comprar para consumo próprio, influencia as compras de familiares e amigos e, no futuro, se tornarão adultos consumidores.

Em um recente artigo publicado na revista Addiction, pesquisadores americanos procuram identificar e relacionar a consciência que adolescentes têm sobre as propagandas de cerveja e o hábito de beber. A pesquisa foi feita com 1.530 alunos do que seria o equivalente a nossa 7ª série.

Este estudo mostrou, entre outras coisas, que o adolescente norte-americano está exposto a um grande número de propagandas de cerveja veiculadas na televisão, principalmente, durante programas esportivos. Propagandas em pontos de venda, como lojas de conveniência ou barracas em estádios e ginásios, além de algumas revistas também foram mencionados. Citando outros estudos do mesmo gênero, os autores afirmam: “As propagandas de álcool claramente fazem parte do mundo do adolescente e sua imersão nesta cultura mercadológica pode contribuir para o inicio precoce do consumo de álcool ou para o hábito de beber quando mais velhos”.

Os autores também citam um artigo de 1988 mostrando que 83% dos jovens de 10 a 17 anos foram capazes de identificar pelo menos 4 em um grupo de 9 propagandas de álcool e 61% conseguiram identificar as marcas em muitas dessas propagandas.

No Brasil, talvez encontra-se uma situação semelhante à da pesquisa, mas seria interessante acrescentar o “mundo virtual”. Uma visita rápida aos sites das grandes marcas é suficiente para perceber a quem eles estão tentando atingir.

Além do marketing direcionado e penetrante das cervejas, têm-se ainda os milhões de reais gastos em propaganda pelas chamadas bebidas “ice” que visam diretamente ao jovem e mais precisamente às mulheres por seu gosto adocicado e leve.

O artigo da Addiction, publicado em setembro de 2003, cita ainda que, nos Estados Unidos, 73% dos adolescentes, na faixa etária pesquisada, já iniciaram o consumo de álcool. Aqui no Brasil, o CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas) em seu I Levantamento Domiciliar Sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas realizado em 2001, demonstra que, entre os 12 e os 17 anos, 48,3% dos brasileiros já fizeram uso de álcool pelo menos uma vez na vida e 5,2%, na mesma faixa etária, preenchem critérios para dependência.

Culpa só da propaganda?

É ingenuidade acreditar nisso.

Também é ingenuidade não perceber como a inteligência, a persuasão e por que não, a manipulação da propaganda aposta na passividade da população diante de refrões infantis, mulheres bonitas, esportistas e artistas famosos, répteis dirigindo caminhões, crustáceos cheios de ginga e malandragem, tatuagens sedentas e no maniqueísmo do “esse/essa merece” ou “esse/essa não merece”. Aposta também até na preocupação com a balança, ao produzir uma cerveja light.

Muitos fatores influenciam o hábito de beber e o padrão de consumo das pessoas. A propaganda é apenas um deles e não é o mais importante.

Acredita-se que um adulto que diz: ”Poxa, temos que experimentar, porque se o fulano (e nesse ponto cita um famoso diminutivo de pagodeiro que já apareceu até em programa infantil tomando cerveja) deu o seu aval é porque a cerveja deve ser realmente boa.” assume a sua passividade e também assume que nada é mais importante que a propaganda. Seja ela verdadeira ou não.

Chega-se à conclusão de que a propaganda atingiu o ingênuo certo.

Cesar Pazinatto
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