A mão do gato – Dr. Drauzio Varella

Drausio

Concordo com o Dr. Drauzio Varella, o que a indústria do tabaco precisa é um pouco de ditadura e tirania.

Abaixo publico, na íntegra, o excelente artigo escrito por ele na Folha de São Paulo de hoje, 12/03/2011.

DRAUZIO VARELLA
A mão do gato


O que a sociedade espera da Anvisa são decisões técnicas para proteger a saúde da nossa população

HÁ MOMENTOS em que excesso de democracia atrapalha. Antes que você me interprete mal, leitor, vou descrever o caso a que me refiro.
Imbuída de intenções democráticas, a Anvisa decidiu fazer duas consultas públicas que envolvem a comercialização de cigarros. Segundo a agência, "esse processo contribuirá para a transparência e participação da sociedade e auxiliará a Anvisa na elaboração do texto final do regulamento proposto".
A primeira consulta (número 112) trata da permissão para exibir nos maços os teores de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono e de proibir a adição de aromatizantes e flavorizantes.
A questão dos aditivos está entre as grandes malfeitorias praticadas pela indústria: adicionar aromatizantes para disfarçar o odor da fumaça e flavorizantes para conferir sabor de baunilha, menta, chocolate, morango e outros com a finalidade de encobrir o paladar aversivo do fumo e viciar meninas e meninos em idade mais precoce. Crianças e adolescentes somam 90% dos que começam a fumar.
A questão de imprimir no maço os teores de nicotina, alcatrão e monóxido de carbono é crime ainda mais grave, porque se destina a criar uma sensação falsa de segurança.
Os cigarros "light", "ultralight" ou de "baixos teores" foram lançados nos anos 1960, quando não havia mais como negar a relação entre fumo, câncer, doenças cardiovasculares, pulmonares e dezenas de outras. Para o consumidor a lógica pareceu razoável: se o alcatrão provoca câncer, quanto menos alcatrão, menor o risco. Milhões aderiram às marcas "light".
Os cigarros de "baixos teores" são ainda piores do que os mais fortes. Quem controla a quantidade de nicotina a ser absorvida em cada tragada são os neurônios do fumante.
Se o cigarro é forte, poucas tragadas fornecem a nicotina necessária; quando é fraco, elas se tornam mais profundas e o intervalo entre uma e outra encurta. A fuligem e os 6.000 compostos químicos resultantes da combustão entram em contato mais íntimo e destruidor com os brônquios e alvéolos pulmonares.
A segunda consulta (número 117) procura regulamentar a exposição dos maços nos pontos de venda e o conteúdo das mensagens de advertência.
Proibido o acesso à televisão e aos jornais, os fabricantes investiram pesado na divulgação de material publicitário (displays, cartazes, luminosos etc.) para promover as vendas em locais como padarias, lanchonetes, bancas de jornal e lojas de conveniência.
Em 83% dos estabelecimentos visitados durante uma pesquisa realizada no ano passado pelo DataFolha/Aliança de Controle do Tabagismo, os cigarros estavam expostos junto a balas, chocolates ou doces. Nas padarias esse número chega perto da totalidade.
Como de costume, a indústria reagiu com a mão do gato: mobilizou os setores que defendem seus interesses e os parlamentares financiados por ela.
Na falta de argumentos para justificar o crime continuado de induzir crianças a adquirir a dependência química mais escravizante que a medicina conhece, esses grupos alardeiam que a consulta pública é antidemocrática e autoritária, que exclui o debate e o esclarecimento da população, que irá provocar impactos econômicos gravíssimos para produtores e varejistas, que causará desemprego e abrirá caminho para o contrabando.
Para manter a legislação frouxa como está, chegam ao cinismo de pressionar para que as consultas sejam proibidas.
Vamos inverter o raciocínio deles. Para impedir que os fabricantes continuem a praticar os crimes de acrescentar produtos químicos que tornam o cigarro mais palatável para crianças, de imprimir no rótulo teores de nicotina e alcatrão para fingir que existem cigarros menos nocivos e de expor os maços junto a balas e chocolates nas padarias, seria necessário organizar consultas públicas?
Quando a Anvisa proibiu a exposição de vitaminas nas prateleiras das farmácias, por acaso consultou o público? Se embalagens de vitaminas quase sempre inúteis, porém inócuas para o organismo, não devem ficar expostas ao consumidor desavisado, o maço de cigarro pode?
O que a sociedade espera da Anvisa são decisões técnicas para proteger a saúde da população. Reduzir o consumo de cigarros e o contingente de crianças que se tornará dependente de nicotina pelo resto da vida estão entre elas.

Arquivo do blog com informações sobre o tabaco.

Comentários

Maka disse…
Realmente é sabido que o cigarro faz mal, ao mesmo tempo em que é sabida a existência de legislação que proíbe a venda de cigarros a menores.

A questão que fica é:

- Onde fica o meu direito de escolha de comprar uma carteira de cigarros com sabor de chocolate? Sendo eu um maior de 18 anos. É necessário alguém julgar por mim? O que é certo ou errado?

Onde entra o direito da Anvisa de querer proibir a produção sobre esta alegação?

Há quem diga que é uma questão do bem coletivo. Tudo isto pode gerar a perda do governo com hospitalização e tratamentos. A opção da grande maioria que não fuma é ir contra o cigarro por alegações diversas.

Isto é uma questão de interesse de um grupo.



Mais vamos a um exemplo pratico:

- Suponho que eu não possuo um carro, logo não gero fumaça no ar que respiro. Não causo mal a ninguém.

Os meus vizinhos possuem veículos, logo geram um monte de fumaça no ar que eu respiro.

Suponho que eu faço parte da Anvisa e lanço uma consulta publica e mobilizo todos os que não possuem veículos para ir contra a produção de veículos.

Fazemos alegação que fazem mal a saúde da população e que as propagandas utilizadas estimulam a compra de um bem que faz mal para todos.

Porque esta indústria também mascarada os malefícios do veiculo com cenas de bem estar familiar e outros artifícios de Marketing induzindo a compra.

As pessoas também ficam viciadas na utilização deste bem.

Tudo isto pode gerar a perda do governo com a hospitalização e tratamentos de doenças respiratórias, mutilação de pessoas inocentes, aquecimento global e por ai a fora.

Provavelmente a indústria automobilística iria promover campanhas junto aos seus trabalhadores e cadeia produtiva, alegando manter a produção dos carros para não gerar desempregos.

Com isto iria gerar a mesma questão:

- Onde fica o direito de escolha de comprar um carro? É necessário alguém julgar? O que é certo ou errado?



Novamente é uma questão de interesse de um grupo.