PERIGOSA AMBIGUIDADE

Abaixo segue o original do artigo publicado hoje, 03/11, na página 2A do Jornal da Tarde.

Para quem não conseguiu ler a partir do material scaneado e também para ver quem descobre o que o editor suprimiu antes de publicar.


No dia 19 de outubro, o governador Geraldo Alckmin sancionou a Lei Antiálcool, que prevê multa e até mesmo a interdição de estabelecimentos que permitirem que menores consumam bebidas alcoólicas. Por outro lado, o Governo Federal é pressionado pela FIFA para liberar o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios durante a Copa do Mundo de 2014.

Essa ambiguidade não ajudará a reduzir as trágicas consequências decorrentes do beber e dirigir alcoolizado, e nos manterá reféns da indústria do álcool e seus lobbies milionários.

Cervejarias insistem – e mentem – que suas propagandas não visam o aumento das vendas, mas sim influenciar o consumidor de tal forma que ele mude de marca. No entanto, um olhar atento sobre as propagandas veiculadas na televisão, jornais, revistas, internet, shows musicais e eventos públicos, como o Campeonato Brasileiro de Futebol, mostra que o principal objetivo é formar novos consumidores de bebidas alcoólicas, principalmente entre os jovens.

Algumas tímidas e duvidosas campanhas da própria indústria do álcool procuram mostrar que elas se preocupam com o “beber responsável”.  A  AmBev, multinacional brasileira de bebidas, por exemplo, tenta mostrar suas ações de responsabilidade social por meio de visitas da sua “equipe de prevenção” às escolas e do patrocínio enrustido de eventos como o I Seminário de Normas Sociais e o I Seminário de Prevenção do Uso Indevido do Álcool, realizados neste ano na cidade de São Paulo.

É difícil compreender e aceitar essas ações pelo fato de essa mesma empresa divulgar sua nova marca como sendo uma cerveja para jovens e de que uma de suas estratégias de marketing é o concurso “República Redonda”. Nessa iniciativa, outra marca da empresa patrocinou, em 2009 e 2010, uma gincana nacional entre moradias estudantis. As repúblicas deveriam realizar tarefas, sempre vinculadas à marca, gravar um vídeo e enviar ao site do concurso.  As mais votadas ganhavam prêmios.

Hoje, um dos grandes problemas entre os jovens, principalmente universitários, é o beber irresponsável. Em um artigo publicado neste ano no The American Journal on Addictions, os pesquisadores Mark T. Fillmore e Rebecca Jude afirmam que nos EUA 500 mil universitários sofrem ferimentos e 1.700 morrem a cada ano em consequência do consumo exagerado de bebidas alcoólicas.

São os chamados “binge drinkers” ou bebedores pesados, já bastante comuns entre os jovens brasileiros. Correm sérios riscos de desenvolver dependência, apresentar comportamento sexual de risco, condutas violentas e práticas criminais. É esse público o principal alvo das propagandas de cerveja.

Até quando a sociedade pagará os custos dessa ambivalência? Patrocinar eventos em parceria com universidades e ter uma “equipe de prevenção” são medidas pretensamente protetoras e não funcionarão enquanto se gastarem milhões em publicidade, patrocínio e desenvolvimento de novas marcas.

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