Sexo, drogas e gordura

jogo

A entrevista da Cláudia Colluci saiu na Folha de São Paulo de segunda-feira, 28 de novembro.

Deveria ter virado um post no mesmo dia, mas alguns acontecimentos pessoais inesperados impediram a atualização do blog.

Excelente a entrevista e pretendo baixar o livro para versão do Kindle existente no meu tablet.

Tomei a liberdade de destacar alguns trechos.

A foto que ilustra a matéria do jornal é de Marlene Bergamo.

Virtudes e vícios dividem os mesmos circuitos no cérebro

Neurocientista mostra em livro que cérebro não discrimina prazer de jogo e bebida de atividades como filantropia

CLÁUDIA COLLUCCI

EM WASHINGTON

O que o orgasmo, a comida gordurosa, o jogo, a bebida, a filantropia, os exercícios físicos e as drogas têm em comum? Sob o ponto de vista químico e fisiológico do cérebro, muita coisa.

Em seu recente livro, "The Compass of Pleasure" (A bússola do prazer, sem edição no Brasil), o neurocientista David Linden, professor na Universidade Johns Hopkins, revela como agem os diferentes tipos de prazer nos circuitos cerebrais e como eles podem se tornar vícios.

"Há uma unidade neural de virtude e vício. E o prazer é a nossa bússola, não importa o caminho que tomamos", diz Linden, 50.

Ele afirma que há estudos experimentais para o desenvolvimento de uma vacina capaz de prevenir dependências em pessoas com predisposição genética. Os genes respondem por até 60% da vulnerabilidade ao vício.

Em um futuro distante, Linden aposta que haverá meios artificiais de ativar os mecanismos de prazer. "Talvez teremos algo como um capacete que ativará os circuitos cerebrais do prazer na intensidade que você desejar."

número vícioFolha - Por que o sr. escreveu um livro sobre prazer?

David Linden - Todo mundo está interessado em prazer. As pessoas amam comida, sexo, jogos, drogas, exercícios. E o prazer é uma questão central no nosso sistema legal e governamental. Várias leis falam de prazer, quando regulam atividades sexuais, drogas ou jogos.

No entanto, hoje sabemos que, do ponto de vista fisiológico e químico, o prazer que sentimos em atividades como correr ou fazer um trabalho filantrópico é o mesmo dos vícios. Há uma unidade neural de virtude e vício. E o prazer é a nossa bússola, não importa o caminho que tomamos.

Quando o prazer vira vício?

O prazer está associado à liberação de dopamina no cérebro. Esse neurotransmissor dispara quando ingerimos uma comida deliciosa, durante o orgasmo ou quando praticamos um ato generoso. A dopamina integra o sistema de prazer e recompensa.

Os genes respondem por até 60% da vulnerabilidade à dependência. Se você herda variantes desse gene que levam a baixos níveis de receptores de dopamina, isso o fará mais suscetível ao vício. É como se as pessoas ficassem doentes de prazer.

O que acontece com o cérebro de uma pessoa dependente?

Se eu pedir para três pessoas com vícios diferentes escreverem sobre os sentimentos associados a essas experiências, você verá que são os mesmos.

Começam porque se sentem bem e, depois, vão precisando de mais e mais. Todo o desejo se transforma em necessidade.

A dependência gera mudanças estruturais, químicas e elétricas dos neurônios. Vamos dizer que você é alcoólatra e está "limpo" há três anos. Se você toma um drinque que seja, a sensação de prazer será muito maior para você do que para alguém que nunca foi dependente.

Por que é tão difícil o tratamento do dependente?

O dependente costuma recair em períodos de muito estresse. Sabemos hoje que existem muitas atividades prazerosas, como a prática de exercícios físicos, de meditação, de rezas ou mesmo brincadeiras com os filhos, que podem ajudar a aliviar o estresse e as recaídas.

O sr. acredita na possibilidade de terapias que evitariam a dependência?

Há pesquisas com animais para desenvolver uma vacina para pessoas com predisposição genética ao vício. Mas há muita polêmica, especialmente pelas questões éticas [de se medicar antes de o problema se manifestar].

No momento, não há muitas drogas eficazes para tratar as dependências. Mas acho que nos próximos 15 anos teremos remédios eficazes para as crises de abstinência.

Mas chegaremos a ter uma droga capaz de curar uma dependência?

Não acredito que exista ou vá existir uma cura fácil. As pessoas fazem terapias em clínicas de reabilitação, mas estudos já mostraram que elas não são muito eficazes.

Psicoterapia e drogas podem ajudar. Mas internar a pessoa, deixá-la anestesiada por três dias e dizer que está curada, para mim, é mentira. Eles só querem seu dinheiro.

O sr. acredita que a obesidade seja consequência de um vício em comida?

Sim. Nós gostamos de pensar em "metabolismos" para explicar por que ganhamos peso. Na verdade, 90% das pessoas que estão severamente obesas o são porque comem demais, não porque têm desordens metabólicas. Isso acontece porque seus cérebros são diferentes.

Nossos corpos estão adaptados para aquelas situações de milhares de anos atrás em que você precisava de muita gordura e açúcar porque você não sabia se teria comida na semana seguinte. Só assim você sobrevivia, tinha filhos e passava seus genes adiante.

E a indústria aprendeu rápido como manipular nossos cérebros para comer mais alimentos que engordam...

É verdade. Nos EUA, a média de peso da população hoje está 11 quilos acima do que era na década de 1960. E não é porque nossos genes mudaram. Quando eu era criança, a garrafa de Coca-Cola era pequena, agora veja o tamanho dela! Quanto maior o tamanho das porções, mais você tende a comer e a beber.

As corporações aprenderam que certos sabores ajudam as pessoas a comer em excesso. Comer muitos alimentos gordurosos e doces, por muito tempo, muda os circuitos do prazer do seu cérebro. Então você quer comer mais e mais. É parecido com heroína.

E as paixões, o orgasmo, também podem viciar?

Sim, o processo é bem parecido. A Universidade Albert Einstein, em Nova York, comparou o funcionamento dos cérebros de pessoas em novos relacionamentos quando elas olham para fotos do parceiro e para fotos de amigos. Não foi surpresa ver que há um disparo de dopamina ao olhar para a foto do amado.

Interessante também é que partes do cérebro têm funções desligadas nesses estados de paixão ou durante o orgasmo, especialmente aquelas áreas relacionadas à cognição e lógica. Quando estamos muito apaixonados não conseguimos fazer uma boa avaliação da pessoa.

Qual será o futuro do prazer, especialmente na nossa atual sociedade em que é tão fácil encontrá-lo?

O acesso facilitado a coisas prazerosas, sem dúvida, aumenta o seu uso. Se você gostava de jogar, tinha que ir ao cassino. Agora, qualquer um entra na internet e pode jogar o tempo que quiser.

Em um futuro distante, penso que teremos meios de ativar nossos mecanismos de prazer de forma não invasiva, talvez algo como um capacete de beisebol que, colocado na cabeça, ativará seus circuitos cerebrais do prazer na intensidade que você desejar.

THE COMPASS OF PLEASURE

AUTOR David Linden

EDITORA Viking

PREÇO US$ 13,69 (R$ 25,73) na Amazon (livro eletrônico)

Comentários