Ótimo o artigo que a Folha de São Paulo publicou no dia 20 de fevereiro.
Maria Inês Dolci faz uma reflexão muito interessante sobre algumas óbvias obrigações de nós pais.
Também opina - e eu concordo com ela - sobre aquele “blá blá” de que o Estado não deveria controlar tanto a vida do cidadão.
Vale a pena ler.
Fome do quê?
Maria Inês Dolci - Folha de São Paulo
Cabe aos pais a missão de se preocupar com a qualidade da comida e da bebida que oferecem aos seus filhos
A lei que obriga as redes de fast food no Estado de São Paulo a informar as tabelas nutricionais e calóricas aos consumidores, e que vigorará a partir de abril próximo, deveria ser aplaudida de pé. Informação é um dos direitos mais importantes nas relações de consumo.
Há muitas pessoas que não concordam com a ação do Estado na limitação de hábitos e de costumes -criticam, por exemplo, as restrições ao fumo e ao álcool.
Discordo, respeitosamente, de quem pensa assim.
Afinal, quem paga parte expressiva dos custos dos danos provocados pelo abuso de álcool, de tabaco, de drogas, de gorduras, de açúcares e de sal são os governos, bancando internações hospitalares e pensões aos familiares de pessoas que morreram em acidentes de trânsito ou por doenças diversas.
As fontes desses gastos são os tributos, arrecadados sem nenhum pudor dos brasileiros. Quem não sabe que temos uma das maiores cargas tributárias do mundo?
Comer alimentos nocivos à saúde aumenta o risco de contrair doenças como diabetes, hipertensão e câncer, assim como fumar, beber, levar uma vida sedentária e dormir mal não contribuem para uma vida mais saudável.
Há aspectos igualmente relevantes nas moléstias decorrentes da dieta e de hábitos inadequados: a perda da qualidade de vida; o sofrimento pessoal, de amigos, de parentes e de colegas; a conta da medicina pública e o absenteísmo.
Argumentos econômicos e de pretensa liberdade de expressão não encobrem os ganhos com medidas que protejam a saúde, como a redução do tabagismo, do alcoolismo e da adição de ingredientes cancerígenos em comidas e em bebidas.
Um bom exemplo é a lei que proíbe o consumo de produtos industrializados nas cantinas escolares de Campo Grande, capital sul-mato-grossense. Essa lei pode ajudar a combater a obesidade infantil e juvenil, precursora de hábitos alimentares nocivos na maturidade.
A medicina avança, com novos tratamentos que se assemelham a milagres. Mas não há como viver mais e com qualidade sem melhorar a alimentação. Por isso, esperamos que a lei de informação dos lanches seja apenas o começo. Afinal, há muito o que fazer, ainda, nessa área.
Lamentavelmente, a Abia (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação) conseguiu, até agora, impedir judicialmente a vigência da resolução da diretoria colegiada (RDC) nº 24/2010, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que normatizava a propaganda de alimentos com elevados teores de açúcar, gordura trans, sódio e de bebidas com baixo valor nutricional.
Uma RDC totalmente alinhada a um dos direitos básicos estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor (CDC): "A informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem".
Pesou mais o interesse comercial das indústrias do que a saúde de seus clientes.
Apesar disso, leis como a que motivaram este artigo nos animam e nos fazem acreditar em mais informação nutricional.
Cabe, contudo, aos pais uma missão intransferível: a de se preocupar com a qualidade da comida e da bebida que oferecem a seus filhos e agir para que se alimentem corretamente.
Inicialmente, com a amamentação, insubstituível nos primeiros meses de vida. Depois, com bom-senso na escolha de produtos e na prevalência de hábitos que ajudem a evitar doenças futuras.
Refrigerantes, salgadinhos e doces devem ser exceções -nunca a base das refeições. Por mais que a propaganda e o ambiente joguem em favor dos lanches altamente calóricos e gordurosos, é importante que as crianças se acostumem a consumir cereais, legumes, verduras e frutas, e isso depende muito da educação recebida no lar e na escola.
Pena que muitos só percebam a importância de praticar exercícios e de ter uma dieta saudável quando já é muito tarde.
MARIA INÊS DOLCI, 57, advogada formada pela USP com especialização em business, é especialista em direito do consumidor e coordenadora institucional da ProTeste Associação de Consumidores. Escreve às segundas-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna.
mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br
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