Mais um texto coerente e
ponderado do poeta Ferreira Gullar.
Foi publicado na Folha de São Paulo no dia 10 de junho.
Drogas: qual a alternativa? - Ferreira Gullar
Volto a um assunto que tenho abordado
aqui e o faço porque considero necessário discuti-lo sempre que possível e com
total isenção: o problema da liberação das drogas. Agora mesmo, uma comissão de
juristas submeterá ao Congresso um anteprojeto propondo descriminalizar o porte
e o plantio de maconha.
Admito que, por alguma razão, pessoas
de tanta responsabilidade entendam que a descriminalização é uma medida
positiva.
Ainda assim, duvido da conveniência de
uma tal medida, uma vez que, no meu modo de ver, o fator principal que sustenta
o tráfico de drogas é o consumidor.
Volto ao argumento óbvio, conforme o
qual não há mercado para mercadoria que não se consome. Logo, se o tráfico
ganhou a dimensão que tem hoje, foi porque, a cada dia, um número maior de
pessoas consome drogas. Um dos argumentos usados pelos defensores da liberação
das drogas é o de que a repressão não deu os resultados esperados, uma vez que
o tráfico, em lugar de diminuir, aumentou.
Já discuti esse argumento, que me
parece descabido. Basta raciocinar: desde que a humanidade existe, combate-se a
criminalidade e, não obstante, ela não acabou. Pelo contrário, aumentou.
Devemos concluir, então, que a Justiça fracassou e que, por isso, o certo é
acabar com ela? Claro que não. Se se praticasse semelhante insensatez,
simplesmente poríamos fim à sociedade humana. O certo é entender que
determinados problemas não têm solução definitiva, mas nem por isso devemos nos
render a eles, sob pena de se tornar inviável o convívio humano.
A droga é um desses problemas.
Exterminá-la definitivamente parece-nos impossível mas, por outro lado,
aceitá-la é abrir mão de importantes valores que o homem conquistou ao longo de
sua história. A droga é uma herança de tempos remotos, quando estava associada
a uma concepção ingênua e mágica da existência.
A ciência demonstrou que os efeitos
que ela provoca são resultados dos elementos alucinógenos que fazem parte de
sua composição química. Ela se alimenta daquilo que, no ser humano, resiste à
compreensão objetiva e racional da existência. Como talvez o ser humano jamais
alcance um estado permanente de lucidez em face do mistério da vida, a droga
continuará a ser necessária a uma parte da sociedade, que nela encontra
compensação para suas ansiedades. Disso se valem e se valerão os produtores e
vendedores de drogas.
As últimas apreensões de drogas
ocorridas no Brasil indicam o crescente poderio econômico e técnico dos
traficantes. São toneladas de maconha, cocaína e crack, o que pressupõe o
crescimento progressivo de consumidores.
Acreditar que a legalização das drogas
fará com que essas organizações clandestinas se tornem, de repente, empresas
legais é excesso de boa-fé. E o que fazer com as drogas sintéticas que, por se
multiplicarem rapidamente, gozam de legalidade, já que os órgãos de repressão
sequer as conhecem? A legalização das drogas transformaria o Brasil num centro
internacional de consumo, como é hoje a Holanda.
Outro ponto que os defensores da
legalização parecem ignorar é o fato de que os consumidores de drogas -em sua maioria
jovens- nem sempre dispõem de dinheiro para comprá-las e isso os leva a
praticar roubos e assaltos.
Hoje, a maioria dos crimes está
ligada, de uma maneira ou de outra, ao tráfico e ao consumo de drogas. Na
verdade, o viciado é um aliado do traficante -já que têm interesses comuns- e o
ajuda a burlar a repressão.
Amparado na lei, o viciado em drogas
vai se sentir mais à vontade para consegui-la a qualquer preço, sem que a
família tenha autoridade para impedi-lo, já que estará agindo dentro da legalidade.
A alternativa seria o Ministério da
Saúde -que não consegue manter em funcionamento satisfatório os hospitais, por
falta de verbas- passar a subvencionar o vício dos drogados?
Creio que tudo conduz à conclusão de
que o caminho certo é batalhar para reduzir o número de consumidores de drogas,
e isso só será possível se as autoridades, em nível nacional e internacional,
se dispuserem a promover um trabalho sistemático de esclarecimento e educação
dos jovens para mostrar-lhes que as drogas só os levarão à autodestruição.
Comentários