Relutei em postar mais um
material sobre maconha, mas esse é principalmente interessante pela arte*
colocada na matéria. Tem outras informações relevantes e as constatações e contestações
de sempre.
Saiu na Folha de São Paulo do dia
12/11/2012.
* a qualidade poderia ter ficado melhor, mas scanner de tablet ainda precisa aprimoramentos. |
Maconha vendida em São Paulo está
mais potente, indica estudo
Análise encomendada pela Folha apontou alta no teor
da principal substância psicoativa da droga
De acordo com médico, maior potência da droga
prolonga os seus efeitos e aumenta os riscos de danos para usuários
MORRIS
KACHANIDE SÃO PAULO
A maconha
vendida em São Paulo está mais potente. Uma análise do Instituto de
Criminalística em 35 amostras apreendidas entre julho e agosto na capital
apontou uma média de 5,7% no nível de THC, a principal substância psicoativa da
droga.
O estudo foi
feito a pedido da Folha. Análise semelhante realizada entre 2006 e 2007
mostrou uma média de 2,5%.
"O
resultado pode indicar uma certa tendência no aumento do princípio ativo da
maconha vendida nas ruas, como se tem observado em alguns países
desenvolvidos", diz Mauricio Yonamine, professor de toxicologia da
Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.
O teor de
THC aferido é maior do que a média na maconha apreendida no mundo: de 0,5 a 5%,
de acordo com relatório da ONU.
Na Holanda e
nos Estados Unidos, onde a tecnologia do plantio da droga é mais avançada, essa
escalada atinge níveis médios de 15% e 10%, respectivamente.
A análise do
IC mostrou também um baixo teor de canabidiol -0,6%, em média. A substância
presente na planta Cannabis modula o efeito de THC, diminuindo a sensação de
ansiedade.
"Para
reduzir a chance de delírio e alucinação, a proporção deveria ser de um para
quatro", explica Elisaldo Carlini, da Unifesp.
Quanto mais
potente a maconha, mais forte e prolongado é o seu efeito. "Se pensarmos
no uso por adolescentes, os riscos seriam em princípio maiores [de alterações
cognitivas, por exemplo]", afirma o médico psiquiatra Dartiu Xavier, da
Unifesp.
De acordo
com levantamentos feitos pela Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre
Drogas) em 2010, 13,2% dos estudantes brasileiros entre 17 e 18 anos e 26,1%
dos universitários já tinham fumado maconha pelo menos uma vez na vida.
RESSALVAS
Especialistas
ouvidos pela reportagem apontam ressalvas com relação aos estudos, no que diz
respeito à representatividade da amostragem e o tempo de armazenamento das
apreensões. Mas a escassez de estudos mais aprofundados sobre o tema torna as
medições relevantes.
A análise
feita agora e a anterior adotaram a mesma metodologia e protocolo de medição. O
espaço amostral, porém, foi reduzido. Em 2006 e 2007, foram analisadas amostras
de 55 apreensões, contra as 35 da investigação atual.
Em ambos os
estudos, a escolha das amostras foi aleatória e sem preocupação com o estado de
conservação da droga. Foram analisados de cigarros prontos a tijolos de 500
gramas os mais, com apreensões feitas tanto no atacado como no varejo.
Em função da
decomposição natural, quanto mais antiga for a apreensão, menor o nível de THC.
José Luiz da Costa, perito do Instituto de Criminalística e presidente da
Sociedade Brasileira de Toxicologia, explica por que a interpretação de
resultados com análise de maconha é mais complexa que a de outras drogas:
"Ela é vegetal. Se eu plantar a mesma semente no pé do morro ou no alto da
montanha, o resultado já vai ser diferente", explica.
"Mas a
verdade é que a maconha é uma droga tão barata que não justifica você
encontrá-la adulterada", acrescenta Costa.
Paraguaia,
droga vem com fungos e formigas
FOLHA DE SÃO
PAULO
A maconha
vendida em São Paulo é quase toda produzida no Paraguai. A droga aparece
misturada a folhas, caules e outras plantas. "E também restos de insetos
ou formigas, como em qualquer colheita rudimentar feita de forma
clandestina", explica o perito José Luiz da Costa, do Instituto de Criminalística.
Em geral, a
maconha paraguaia chega a São Paulo prensada e embalada em filme plástico ou
alumínio, e adesivada. As condições de transporte são precárias -normalmente em
caminhões, escondida entre outros produtos.
Por uma
questão econômica, ela não chega ao mercado totalmente seca. É que o tempo de
secagem da colheita é relativamente longo (cerca de uma a duas semanas) e as
folhas úmidas pesam mais, o que significa um ganho extra para o produtor.
Uma
monografia coordenada por Costa em 2011 apontou a presença de três tipos de
fungos em maconha apreendida, alguns deles comumente encontrados em alimentos
em estado de deterioração. Para Dartiu Xavier, da Unifesp, de forma geral, não
há nada objetivo quanto ao risco para seres humanos. Os fungos podem causar alergia
e intoxicação para pessoas hipersensíveis, como também doenças em indivíduos
imunodeprimidos.
As condições
de embalagem e transporte da maconha prensada também podem favorecer a
liberação de amônia, de acordo com Elisaldo Carlini, também da Unifesp.
"Com o
tempo, a maconha envelhece e se degrada. Pior ainda se estiver umedecida.
Amônia na maconha é sinal de má conservação", diz.
Análise
Desafios para 'decifrar' a droga
começam antes do laboratório
Na Europa,
os testes usam milhares de amostras, colhidas regularmente ao longo do ano
TARSO ARAUJOESPECIAL
PARA A FOLHA
Em 2002, o
czar antidrogas norte-americano, John Walters, disse ao "Washington
Post" que "a maconha de hoje é diferente daquela de uma geração
atrás, com potência 10 a 20 vezes mais forte". Desde então, esse argumento
alarmista tem sido usado com frequência nos debates.
Ora, nenhum
traficante quer vender maconha fraca. Logo, é previsível que o plantio se
profissionalize. Assim como buscam tulipas de novas cores e raças de cão mais
fortes, quem cultiva Cannabis quer mais THC, o principal psicoativo da planta.
Hoje, para fazer isso, há luzes e métodos modernos, sementes selecionadas em
décadas de cruzamentos. Tudo na internet.
Mas é
pequena a chance de camponeses do Paraguai usarem essa tecnologia na produção
massiva de maconha. O que fazem é o tal "prensado", e a prova de que
ele não está tão potente assim é visível a olho nu: ele tem sementes. Maconha
com muito THC raramente tem sementes, porque, para fabricá-las, a planta usa a
energia que precisa para fazer a molécula psicoativa.
No Brasil,
só se faz maconha de "altos teores" em pequenas plantações caseiras.
Esse cultivo "indoor" até tem crescido no país, por causa de usuários
que não querem bancar o tráfico, mas sua produção é irrelevante.
Logo, é
preciso cautela na comparação dos resultados dos testes de 2006/2007 e 2012.
Por mais corretas que sejam as análises químicas, a dosagem de THC tem desafios
que começam bem antes do laboratório.
Um fator
crucial para medições confiáveis é ter uma amostragem representativa. Para
medir a intenção de voto em São Paulo com algum valor estatístico, não basta
entrevistar uns 50 cidadãos em Higienópolis.
No caso da
maconha: o THC se decompõe rapidamente exposto à luz e ao ar. Se a pesquisa de
2006/2007 usou uma droga colhida há meses, apreendida em "trouxinhas"
ou "baseados", sua baixa potência pode ser mera consequência da má
conservação. Se a de 2012 usou amostras novas, lacradas, o THC estava bem
preservado.
Na Europa,
onde se quantifica THC desde a década de 1990, os testes usam milhares de
amostras, colhidas regularmente ao longo do ano, de várias fontes, para
garantir representatividade.
É preciso
ter esse cuidado aqui, antes de disparar o alarme. E fazer testes todo ano, de
modo padronizado. Não nos faltam bons peritos, apenas verba e vontade política.
TARSO ARAUJO é autor do
Almanaque das Drogas e editor da revista "Galileu"
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