O sociólogo Julio Calzada diz que a atual política de drogas gera mais danos do que benefícios foto: Iván Franco - 6.ago.13/Efe |
Abandonei o blog por um período maior do que gostaria e peço desculpas
por isso.
Várias atividades e alguns novos projetos são as justificativas.
Ontem, ao ler a entrevista de 2ª da Folha de São Paulo achei que seria
interessante retomar com a fala do sociólogo Julio Calzada.
A legalização da maconha no Uruguai já chegou às minhas aulas de CPG no
Colégio Bandeirantes. Houve também quem comentasse nas palestras da semana
passada na ETEC do Parque da Juventude.
Ler a entrevista foi importante para entender alguns aspectos que ainda
não tinham ficado muito claros, mas não diminuíram as desconfianças e
incertezas.
Como sempre é ver para crer.
Qual sua opinião?
Sociólogo que coordena projeto de legalização da maconha no Uruguai
defende controle estatal
LUCAS
FERRAZ
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
O sociólogo Julio
Calzada, 57, vai comandar o processo de legalização da maconha no Uruguai.
Secretário-geral da Junta Nacional de Drogas, ele foi designado pelo presidente
José Mujica para coordenar a (nova) política nacional sobre o tema.
"O país iniciará um processo de risco", disse à Folha.
"Não há antecedentes, nenhum país fez o que estamos fazendo. Há que
minimizar os riscos, mas temos pouca margem para equívocos."
No próximo mês, o Senado deve concluir votação do projeto de lei
que libera o plantio e a venda de maconha no Uruguai --tudo controlado pelo
Estado. Espera-se aprovação mais folgada que na Câmara, há 12 dias.
Se aprovado, o Uruguai será o primeiro país do mundo a legalizar a
maconha --nos EUA, até agora dois Estados aprovaram o uso "recreativo"
e, na Holanda, cuja lei é conhecida pela tolerância, permite-se fumar pequenas
quantidades em cafés, mas nunca em locais públicos.
Segundo o projeto, haverá cadastro para usuários --com mais de 18
anos e residentes no país, sem levar em conta a nacionalidade--, que poderão
comprar até 40 gramas da droga por mês.
O consumo já é permitido --a Constituição uruguaia reconhece os
direitos individuais em relação ao corpo e à própria vida.
Entra aí a incongruência da atual situação, que será sanada com a
aprovação da lei: para praticar um ato legal, o cidadão precisa recorrer a
meios ilícitos.
Formado em sociologia pela Universidade da República, de
Montevidéu, Julio Calzada afirma que o modelo a ser adotado no Uruguai não
serve para outros países. E nem é perfeito --o secretário admite que o projeto
"limita" direitos aos cadastrados.
"Há uma limitação de direitos, mas assumimos isso para mudar
a política de drogas, que é fracassada. Não há alternativa a não ser o controle
do Estado de todo o processo, do plantio à distribuição".
A seguir, trechos da entrevista concedida por telefone, na semana
passada, em Bella Unión, no lado uruguaio da tríplice fronteira com Brasil e
Argentina.
*
Folha - O Senado deve aprovar a lei no próximo mês. Como será a
legalização?
Julio Calzada - Levará tempo,
acho que no final deste ano ou talvez no início do próximo. Ainda estamos
decidindo assuntos referentes ao cultivo e à distribuição. Não sabemos quantas
associações vão cultivar a droga e quantos locais de venda o Estado terá.
Fizemos pesquisas para entender como funciona o tráfico no país,
os preços cobrados etc. Estipulamos um valor com base no mercado negro. O valor
médio do grama é de US$ 1, US$ 1,50 (entre R$ 2,30 e R$ 3,40). Vamos trabalhar
com um valor nessa faixa. Decidimos também um montante anual que será produzido
e permitido pelo Estado, 22 toneladas de maconha por ano, que é a quantidade
que se consome atualmente no país.
O que explica o fato de o país ser o primeiro a regulamentar o
cultivo e o acesso à droga?
O convencimento do presidente da República de que os mecanismos de
controle existentes há 50 anos não davam os resultados que esperávamos. Em
primeiro lugar está o aspecto da saúde pública. É preciso dar resposta aos
usuários. Uma resposta que seja adequada. Os usuários são estigmatizados ou
considerados cidadãos de segunda classe. Este é o ponto central.
Um segundo aspecto, não menos importante, é a incongruência de
nosso país. Aqui o consumo é legal. Nossa Constituição diz que atos pessoais,
privados, desde que não afetem terceiros, não podem ser proibidos pelo Estado
ou pelo Poder Judiciário.
Qual a maior dificuldade para legalizar a maconha?
É um processo que carece de precedentes. Há alguns poucos casos,
como a Holanda e alguns Estados dos EUA. Há um conjunto de coisas que
precisamos adequar à realidade. A dificuldade é que não há antecedentes, nenhum
país fez o que estamos fazendo. Há que minimizar os riscos, temos pouca margem
para equívocos.
A maioria da população uruguaia é contrária. Esse cenário não cria
um problema para a regulamentação da lei?
O que estamos fazendo é trabalhar com muita dedicação e
profissionalismo. Mudar o paradigma é muito difícil. Mas temos estudado a
experiência de alguns países com a produção de ópio, como Índia e Turquia, por
exemplo. É uma experiência prévia. É preciso haver sobretudo controle, para não
haver desvios.
Há um convencimento de que a melhor forma de se lutar contra o
tráfico é no plano econômico. O que essa lei busca é tirar o usuário do
comércio ilegal. A única forma de matar o tráfico é tirar sua sustentação
econômica. Essas organizações se utilizam da estrutura das drogas para cometer
outros crimes, como tráfico de armas ou de pessoas. A atual política gera mais
danos que benefícios.
Há preocupação com potenciais efeitos da legalização nos vizinhos
Brasil e Argentina?
Estamos atentos aos controles necessários para evitar qualquer
problema. Os usuários precisam se registrar, e para isso é necessário comprovar
residência no país. Só assim as pessoas poderão comprar a maconha produzida
aqui. Ou terão permissão para plantar em casa.
O objetivo é controlar o que seja produzido legalmente e evitar
que essa produção seja desviada para o mercado negro e para países vizinhos.
Só a lei será suficiente para impedir a entrada da droga legal no
mercado negro?
Sim, haverá um sistema de licenças que permite ao Estado
interferir em todo o processo. Os produtores tampouco poderão competir entre
si. O mercado será fechado e completamente controlado pelo Estado.
Um cidadão recebe autorização para plantar maconha. O Estado irá
na sua casa para fiscalizá-lo?
Sim, essa pessoa terá que se registrar e nos informar qual tipo de
planta irá utilizar. Tudo isso será controlado, sobretudo a quantidade. Se
ficar comprovado que há mais do que o especificado, a pessoa poderá responder
por tráfico de drogas.
Muitos usuários dizem que o projeto fere liberdades individuais e
civis, já que eles precisam se cadastrar para plantar ou comprar do Estado. O
que o sr. pensa dessa afirmação?
Este é um aspecto muito discutido pelas organizações sociais.
Estamos num momento de debate e mudanças na política de drogas em todo o mundo.
Essa é uma maneira de controle no marco dessa nova política.
Mas, para o sr., não há desrespeito às liberdades individuais e
civis?
Há, sim, uma limitação de direitos, mas assumimos isso para mudar
a nossa política de drogas, que é fracassada. Não há outra alternativa a não
ser o controle do Estado em todo o processo, do plantio à distribuição. A
medida tem dois aspectos. O primeiro é evitar o desvio da droga. Depois, também
é uma medida sanitária, para controlar a quantidade de droga consumida no país.
O sr. acredita que o modelo uruguaio poderá ser aplicado em outros
países latino-americanos?
É um projeto pensado exclusivamente para o Uruguai. Não somos um
modelo a ser seguido. Estamos dando uma resposta aos nossos problemas, à
realidade do Uruguai. A medida está de acordo com a presença do Estado na vida
do país. Vamos controlar o comércio e oferecer um programa de assistência
médica e também preventivo.
Queremos que neste século haja uma política progressiva em relação
às drogas. O Uruguai, por ser o primeiro país a fazer isso, certamente vai
contribuir ao debate como um exemplo. Brasil e Argentina têm uma política de
drogas completamente distinta da nossa. Mas, neste caso, cada país precisa
modificar essa política de acordo com a realidade local.
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