Baladas, baladeiros e a bebida


A primeira vez que tive contato com o estudo do Cebrid foi durante o XXII Congresso da ABEAD no início de setembro.
Hoje alguns de seus dados foram publicados pelo jornal "Folha de São Paulo".
Abaixo reproduzo a matéria e o vídeo disponibilizado no site do jornal.




56% dos baladeiros vão a casa noturna para ficar bêbados
Estudo da Unifesp feito neste ano mapeou hábitos de consumo e comportamento em 31 baladas paulistanas
Quase metade das mulheres tomou quatro ou cinco doses de bebida alcoólica em curto período de tempo
MORRIS KACHANIDE SÃO PAULOFicar bêbado é o objetivo de 56% dos baladeiros que vão a casas noturnas na cidade de São Paulo. Entre esse público, índice quase igual (57%) diz já ter pego carona com alguém embriagado na saída das baladas.
Os dados, colhidos neste ano, fazem parte de estudo obtido pela Folha sobre hábitos de consumo e comportamento nas baladas paulistanas, feito pelo Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas), da Unifesp.
Do funk ao sertanejo; de casas noturnas frequentadas pela classe AAA a locais de rock e música eletrônica, passando por noitadas GLS, 2.422 pessoas foram entrevistadas em 31 casas noturnas.
Feito pela pesquisadora Zila Sanchez, o estudo constatou que um terço dos frequentadores praticam o "binge drinking", ao tomar quatro ou cinco doses de bebida em poucas horas. Vodca, cerveja e uísque, pela ordem, são as bebidas preferidas.
Homens são os maiores adeptos do "binge", 53%; entre mulheres, 47% beberam muito em pouco tempo.
MUHERES QUE BEBEM
Psiquiatra da Unifesp, Dartiu Xavier diz que o alto consumo de álcool pelo público feminino chama a atenção, por ir na contramão da literatura médica.
O álcool no sangue da mulher, diz ele, gera uma dosagem 30% maior do que a tomada por um homem.
Para Zila, preocupa o índice de motoristas alcoolizados. Dos que chegam dirigindo (22%), um a cada cinco já estão embriagados. Frequentadores com renda superior a R$ 3.500 mensais são a faixa salarial que mais bebe.
Para atenuar o problema, ela sugere maior oferta de transporte público e a proibição de venda de álcool para quem já está bêbado, o que, diz, é norma na Suécia e em Estados americanos.
Zila propõe ainda uma discussão sobre os horários de funcionamento das baladas.
Ronaldo Laranjeira, também psiquiatra na Unifesp, é a favor de um rigor maior na concessão de licenças a estabelecimentos que vendem álcool depois das 23h.
Segundo ele, o levantamento "destaca a preparação de um ritual facilitado pela própria indústria do álcool, com ambientes favorecendo a intoxicação".
"Como sabemos, beber é mais perigoso quando ocorre fora de casa. Há mais chance de acidente, gravidez indesejada e assim por diante."
DROGAS ILÍCITAS
Entre as drogas ilícitas, maconha (5,5%) e ecstasy (2,2%) são as mais consumidas em baladas não GLS.
Em casas noturnas "gay friendly", as proporções de consumo são maiores. Lá, ecstasy (9,3%) e ketamina, 8,2%), um anestésico veterinário, lideram.
"A ketamina é uma porrada. É uma droga despersonalizante, que te faz se sentir outra pessoa. Não chega a produzir alucinações mas distorce a realidade", diz Xavier, também diretor do Proad (Programa de Orientação e Assistência a Dependentes).
Ele afirma que o estudo é uma "bússola" inédita para "pensarmos no que deve ser feito em termos de prevenção" em todo o país.
DESCRIMINALIZAÇÃO
Para Facundo Guerra, dono das baladas Lions e Yacht, as medidas de prevenção deveriam passar pela descriminalização do uso de drogas.
"Hoje em dia você não sabe que tipo de entorpecente está sendo vendido. É preciso encarar o assunto com menos hipocrisia", diz.
Ele cita a distribuição de um kit para detecção do grau de pureza e potência das drogas como exemplo. "Isso já é comum na Holanda e na Alemanha. Para a pessoa saber o que está tomando."
Nas baladas paulistanas há mais homens (61%) que mulheres (39%). Come-se muito pouco: apenas 8% dos entrevistados dizem ter se alimentado durante a noitada.
    Bebida é um catalisador social, diz estudante
    Empresário diz não ver balada sem álcool
    DE SÃO PAULOQual o papel das drogas e do álcool nas baladas? A reportagem percorreu algumas casas nas noites de quarta e quinta-feira, indagando os baladeiros a respeito.
    Para Cesar Gonzalez, 22, vendedor da Chili Beans, "baladas são uma forma de fugir, então é muito da hora".
    Ele afirma beber o suficiente para ficar alegre --cerca de cinco doses de tequila em uma noite ou seis a sete de vodca. "O importante é você não passar do limite."
    O empresário Facundo Guerra diz que não visualiza uma balada sem álcool. "Acredito que o álcool funcione como um azeite daquela relação, a pessoa fica mais paciente, menos criteriosa."
    Para o estudante Miguel Benjamin, 21, que participou do estudo da Unifesp como observador, o papel da bebida é desinibir, como se fosse uma espécie de catalisador social.
    "A ideia é sair da rotina, se entreter. A balada é um ambiente onde a transgressão moral e social é aceita. Ali você bebe muito, dança loucamente, fica com várias meninas. É estranho não beber. É estranho ficar quieto. É um ambiente onde o errado vira certo em vários pontos."
    BEBIDA CAMPEÃ
    Para ele, a vodca é a bebida campeã por conta da mistura com energéticos. "Um é estimulante, o outro é depressor. O álcool fica associado a um gosto bom e ainda por cima você sabe que a bebida vai te deixar acordado".
    Marcela Cordeiro, modelo, 21, afirma que a balada é "o momento em que você pode se libertar. Curtir, dançar, alucinar (risos)".
    Sobre a alta dosagem alcoólica entre as mulheres apontada na pesquisa, ela diz: "Hoje em dia as mulheres até bebem mais que os homens, mas mesmo assim conseguem se controlar melhor. Homem é uma vergonha".
    Roberta Manso, 24, nutricionista, afirma que ultimamente tem ido às baladas praticamente todas as semanas.
    Sua única ressalva é com relação ao assédio. "Com mulher é complicado. Se você não se impuser e fizer cara feia, o povo vem te pegando, achando que é festa."
    Facundo Guerra lembra que em alguns casos as mulheres são encorajadas a beber na medida em que muitas baladas oferecem bebidas alcoólicas de graça até um determinado horário ou cobram preços diferenciados.
    Quanto ao uso de drogas nas baladas, Marcela diz: "Para ser sincera o que mais rola é droga, de todo tipo. A droga te leva ao ápice da felicidade. O problema é quando passa esse efeito. Depois do ápice, vem a depressão".
    "Existe uma pressão muito forte para você se corromper. Você quer reviver essa felicidade", completa.
    BEBEDOURO
    Dos 31 estabelecimentos visitados, apenas dois contavam com bebedouro.
    De acordo com lei regulamentada em 2010, as baladas são obrigadas a instalar, em suas dependências, bebedouro de água potável para consumo gratuito por seus frequentadores.
    Consultada pela reportagem da Folha, a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras informou que os estabelecimentos que não cumprirem as determinações estão sujeitos às penalidades previstas em lei.

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