Tolerância zero - Giovanni Guido Cerri



Muito importante o posicionamento do Secretário Giovanni Guido Cerri sobre o consumo de bebida alcoólica por adolescentes no artigo “Tolerância Zero” publicado no Tendências/Debates da Folha de São Paulo, hoje, 19 de outubro.
Em dois momentos ele cita um dos principais problemas para o quadro de excessos observado entre os jovens: a publicidade de bebidas alcoólicas.
São inúmeros os artigos científicos que mostram a relação entre exposição à propaganda e o consumo excessivo de álcool. Infelizmente, o CONAR e, principalmente, os produtores de cerveja costumam desacreditar essas informações.
Faltou citar o posicionamento ambíguo da  multinacional brasileira de bebidas, AMBEV. Ao mesmo tempo em que tenta mostrar suas ações de responsabilidade social através de visitas da sua “equipe de prevenção” às escolas, ela divulga sua nova marca como sendo uma cerveja para jovens. Em 2010, uma estratégia de marketing da mesma empresa foi o concurso “República Redonda”. Nesta iniciativa, outra marca sua patrocinou uma gincana nacional entre moradias estudantis.
Parece que só eles não sabem que um dos grandes problemas entre os jovens, principalmente universitários, é justamente o beber irresponsável. Em um artigo publicado este ano no The American Journal on Addictions, os pesquisadores Mark T. Fillmore e Rebecca Jude afirmam que nos EUA, 500.000 universitários sofrem ferimentos e 1.700 morrem a cada ano em consequência do consumo exagerado de bebidas alcoólicas. São os chamados “binge drinkers” ou bebedores pesados já bastante comuns entre os jovens brasileiros. Correm sérios riscos de desenvolver dependência, apresentar comportamento sexual de risco, condutas violentas e práticas criminais. Sabemos que é esse público o principal alvo das propagandas de cerveja.
Patrocinar eventos acadêmicos como o divulgado na matéria “Método positivo tem sucesso contra o álcool” publicado no dia 5 de setembro neste jornal e ter uma “equipe de prevenção”, são medidas pretensamente protetoras e não funcionarão enquanto se gastarem milhões em publicidade, patrocínio e desenvolvimento de novas marcas.
Até quando a sociedade pagará os custos desta ambivalência?

Abaixo você pode ler o artigo na íntegra.



TENDÊNCIAS/DEBATES
Tolerância zero

GIOVANNI GUIDO CERRI


É extremamente preocupante, sob o ponto de vista da saúde pública, que os adolescentes e crianças tenham acesso a qualquer quantidade de álcool

A adolescência é a fase de experimentações. De descobertas, paixões arrebatadoras, questionamentos, insegurança e outros aspectos comportamentais típicos dessa fase da vida, alguns dos quais são bastante arriscados, como sexo desprotegido e consumo de bebidas alcoólicas e outras drogas.
Socialmente aceito, o álcool está presente nas mesas de grande parte das famílias, nos bares, nas lojas de conveniência, nas baladas, nos shows e nas festas.
No Brasil, mais de um milhão de pontos de venda oferecem bebidas de variados teores alcoólicos. O acesso ao álcool, no Brasil, é extremamente fácil e seu consumo é estimulado em propagandas veiculadas inclusive de manhã e à tarde, no caso da cerveja, durante partidas de futebol e outros programas.
Crianças e jovens brasileiros estão acostumados a ver seus pais e familiares bebendo, são expostos à publicidade, frequentam locais onde bebidas alcoólicas estão nas prateleiras e gôndolas, veem seus ídolos de futebol e artistas favoritos consumindo álcool ou até morrendo em decorrência do abuso dessas substâncias.
Não são raros os jovens que, em decorrência de todos esses fatores, se arriscam a iniciar, cada vez mais precocemente, o consumo de bebidas alcoólicas, alguns escondidos da família e outros com o consentimento de seus pais ou responsáveis.
É extremamente preocupante, sob o ponto de vista da saúde pública, que adolescentes e crianças bebam qualquer quantidade de álcool. Esse pode ser o primeiro passo para o abuso e, depois, para a dependência química, com sérios danos à saúde.
Uma pesquisa do Instituto Ibope, feita a pedido do governo do Estado, apontou que 18% dos adolescentes entre 12 e 17 anos bebem regularmente, e que quatro entre dez menores compram livremente bebidas alcoólicas no comércio.
Há diversas maneiras de coibir o uso de álcool por menores de idade. Restringir a propaganda, elevar impostos, diminuir a exposição nos pontos de venda.
O Estado de São Paulo optou, dentro de sua competência legal, pela prevenção nas escolas e por uma legislação mais dura, que pune severamente estabelecimentos que vendam, ofereçam ou permitam que crianças ou adolescentes consumam bebidas alcoólicas.
O diferencial dessa nova lei, que acaba de ser sancionada pelo governador Geraldo Alckmin, está justamente na palavra consumo.
Antes, a venda de bebida alcoólica para menores já era proibida, classificada como crime, mas, se um adulto comprasse o produto e o repassasse imediatamente a um adolescente, o proprietário do estabelecimento era isento de qualquer responsabilidade.
Agora, caberá aos responsáveis pelos estabelecimentos exigir documentação e comprovar que não há ninguém com menos de 18 anos consumindo álcool no local, sob risco de ser multado, interditado e até mesmo de perder sua inscrição no cadastro de contribuintes do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) paulista.
Alguns hábitos e mudanças de cultura são mudados por força de leis, quando elas são seguidas de fiscalização rigorosa e de um trabalho de conscientização e educação.
Foi assim nos casos de obrigatoriedade do cinto de segurança e de proibição do fumo em ambientes fechados. E assim será com essa nova legislação de tolerância zero à permissão para que crianças e jovens tenham acesso a uma substância psicoativa que pode causar dependência, doenças graves, acidentes, violência e morte.

GIOVANNI GUIDO CERRI, médico e professor da Faculdade de Medicina da USP, é secretário de Estado da Saúde de São Paulo. 

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