Novamente não posso deixar de reproduzir um artigo brilhante do poeta Ferreira Gullar. Saiu na Folha de São Paulo, neste domingo 13 de janeiro.Em junho do ano passado, já havia publicado outro artigo dele chamado: “Drogas: qual a alternativa”?
Como na vez anterior, sua abordagem do tema é simples, direta e muito adequada.
Não deixe de ler.
FERREIRA
GULLAR
Um
confuso bate-bocaO fato mesmo é o seguinte: não há produção e venda de mercadoria alguma se não houver consumidor
Um
novo projeto de lei, que deve ser votado pelo Congresso em fevereiro, trouxe de
novo à discussão o problema das drogas: reprimir ou descriminalizar?
Esse projeto pretende tornar mais
severa a repressão ao tráfico e ao uso de drogas, alegando ser esse o desejo da
sociedade. Quem a ele se opõe argumenta com o fato de que a repressão, tanto ao
tráfico quanto ao uso de drogas, não impediu que ambos aumentassem.
Quem se opõe à repressão considera,
com razão, não ter cabimento meter na prisão pessoas que, na verdade, são
doentes, dependentes, consumidores patológicos. Devem ser tratados, e não
encarcerados. No entanto, quem defende o tratamento em vez da prisão se opõe à
internação compulsória do usuário porque, a seu ver, isso atenta contra a
liberdade do indivíduo.
Esse é um debate que não chega a
nada nem pode chegar. Se você for esperar que uma pessoa surtada aceite ser
internada para tratamento, perderá seu tempo.
Pergunto: um pai, que interna
compulsoriamente um filho em estado delirante, atenta contra sua liberdade
individual? Deve, então, deixar que se jogue pela janela ou agrida alguém? Está
evidente que, ao interná-lo, faz aquilo que ele, surtado, não tem capacidade de
fazer.
Mas a discussão não acaba aí. Todas
as pessoas que consomem bebidas alcoólicas são alcoólatras? Claro que não. A
vasta maioria, que consome os milhões de litros dessas bebidas, bebe
socialmente. Pois bem, com as drogas é a mesma coisa: a maioria que as consome
não é doente, consome-as socialmente, e muitos desses consumidores são gente
fina, executivos de empresas, universitários etc..
Só que a polícia quase nunca chega a
eles, pois estes não vão às bocas de fumo comprar drogas. Sem correrem
quaisquer riscos, as recebem e as usam. Ninguém vai me convencer de que os
milhões de reais que circulam no comércio das drogas são apenas dinheiro de
pé-rapado que a polícia prende nas favelas ou debaixo dos viadutos.
Outro argumento falacioso dos que
defendem a descriminalização das drogas é o de que a repressão ao tráfico e ao
consumo não deu qualquer resultado positivo. Pelo contrário -argumentam eles-,
o tráfico e o consumo só aumentaram.
É verdade, mas, se por isso devemos
acabar com o combate ao comércio de drogas, deve-se também parar de combater o
crime em geral, já que, embora o sistema judicial e o prisional existam há
séculos, a criminalidade só tem aumentado em todo o planeta. Seria,
evidentemente, um disparate. Não obstante, esse é o argumento utilizado para
justificar a descriminalização das drogas.
A maneira certa de encarar tal questão
é compreender que nem todos os problemas têm solução definitiva e, por isso
mesmo, exigem combate permanente e incessante.
A verdade é que, no caso do tráfico,
como no da criminalidade em geral, se é certo que a repressão não os extingue,
limita-lhes a expansão. Pior seria se agissem à solta.
Quantas toneladas de cocaína, crack
e maconha são apreendidas mensalmente só no Brasil? Apesar disso, a verdade é
que cresce o número de usuários de drogas e, consequentemente, a produção
delas. Os traficantes têm plena consciência disso, tanto que, para garantir a
manutenção e o crescimento de seu mercado, implantam gente sua nas escolas a
fim de aliciar meninos de oito, dez anos de idade.
Por tudo isso, deve-se reconhecer
que o combate ao tráfico é particularmente difícil, já que, nesse caso, a
vítima -isto é, o consumidor- alia-se ao criminoso contra a polícia. Ou seja,
ela inventa meios e modos para conseguir que a droga chegue às suas mãos,
anulando, assim, a ação policial.
O certo é que este bate-boca não
leva a nada. O fato mesmo é o seguinte: não há produção e venda de mercadoria
alguma se não houver consumidor.
Só se fabricam automóvel e geladeira
porque há quem os compre. O mesmo ocorre com as drogas: só há produção e
tráfico de drogas porque há quem as consuma. Logo, a maneira eficaz de combater
o tráfico de drogas é reduzindo-lhe o consumo.
E a maneira de conseguir isso é por
meio de uma campanha de âmbito nacional e internacional, maciça, mostrando às
novas gerações -principalmente aos adolescentes- que a droga destrói sua vida.
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